Agora expostas, pela primeira vez, no seu conjunto, as aguarelas europeias do século XIX reunidas neste núcleo representam, ao gosto da época, actividades e figuras do quotidiano indiano.

Destas gravuras conhecemos um interessante facto: o álbum onde estavam reunidas fez parte da colecção da rainha Vitória (1819-1901). Não se encontram rastos do seu percurso até à década de 70 do século XX, altura em que é adquirido por Mário Carmona. Após a sua morte, o álbum foi herdado pelo sobrinho, Afonso Pereira da Silva, vindo a ser adquirido pela Fundação Oriente em 1999, para o acervo fundador do Museu do Oriente.

Apesar de não ser possível a atribuição exacta da autoria, a técnica e estilização dominante do conjunto apontam para uma proveniência europeia. Originalmente reunidas num álbum encadernado em pele, num total de 19 imagens, as aguarelas partilham características formais comuns, como a colocação das personagens sobre uma forma rectangular mais ou menos definida e a ausência de fundos naturais ou arquitecturais. O tratamento das personagens é genérico, registando-se os detalhes pitorescos numa ausência de contexto ou narrativa individualizante. Esta dualidade, aliada à diversidade de temas (dezasseis representações de profissões; três de personagens tipificadas) denotam uma intenção de retratar o “exótico” e o que de “exótico” tinham as populações indianas: o vestuário de homens e mulheres, os seus adornos e acessórios, as actividades que estruturam o quotidiano. Em suma, pequenos instantâneos de modos de vida que fascinavam pela “diferença”, face à matriz europeia.

No contexto da sua ligação histórica e militar à Índia, foram vários os artistas ingleses que se dedicaram a registar “tipos”, as paisagens, a fauna, a flora, os monumentos e as cidades nas suas estadas no território.

A composição, escolha de cenários, aplicação da cor e uso das sombras para conferir formas aos objectos, aproximam as aguarelas deste núcleo aos registos recolhidos por Frederic Shoberl (1775-1853) e reproduzidos em gravuras em edições europeias durante as primeiras décadas do século XIX, particularmente, no volume “Hindoostan” da série World in Miniature publicada em Londres pela Ackermann, em 1822. 

Entre as aguarelas contam-se representações de um encantador de serpentes, mulheres em ocupações que lhes eram tradicionalmente reservadas (moer grão, tecer num tear manual), homens desempenhando tarefas relacionadas com o domínio de uma técnica ou ofício (um tanoeiro, um ourives (?) e um fabricante de shishas - cachimbos de água indianos), um criado, uma personagem mogol de estatuto elevado em traje de corte e várias figuras masculinas envergando fardas militares indianas, que combinam elementos do vestuário autóctone e da moda europeia.

A Índia em Aguarela – 16 Imagens do século XIX é um dos novos núcleos temáticos a destacar até ao final do ano, numa reconfiguração do discurso museológico e museográfico da exposição permanente Presença Portuguesa na Ásia.

Imagem | Mulher segurando criança | Frederic Shoberl (?) | Índia | Primeira metade do século XIX | FO/0505-S |© Luís Pavão